sábado, 8 de dezembro de 2007

Manual de Instruções de Autocarro, para maiores de 65

A paragem
1. Chegue bem cedo à paragem. Uma hora antes do autocarro é o ideal.
2. Faça parar todos os autocarros que passarem no entretanto, para pedir informações: “Vai para a Murronhanha?” é a expressão clássica, mas pode puxar pelo seu lado criativo e perguntar “a que horas fecha a garagem?” ou “ai não vai para a Murronhanha? Então vai para onde? Ah..e sabe a que horas passa o autocarro para a Murronhanha?”. Não se esqueça que deve fazer isto mesmo que já tenha utilizado mil vezes este autocarro.
3. Meta conversa com todas as pessoas também à espera na paragem. Aposte naqueles que estão a ler ou a ouvir música (quanto mais a conseguir ouvir, melhor). Se encontrar alguém a ler E a ouvir música não deixe passar a oportunidade de lhe dizer a sua opinião sobre o caso Maddie, os penteados da Camilla Parker-Bowles ou o juízo do Mário Soares. Se possível, indigne-se. Indigne-se mais quando não lhe respondem, queixe-se destes jovens mal educados e culpe-os do país e do governo que temos.
4. Continue a meter conversa. Se encontrar um colega sénior aproveite o tempo de espera para um agradável concurso de doenças.

Parar o autocarro
Quando o autocarro estiver já a passar a paragem, atravesse-se no meio da estrada e estique o braço. Quanto mais os travões chiarem, mais bem sucedido/a foi. Sinta-se orgulhoso se ao se abrirem as portas estiver alguém caído no chão junto ao motorista.

Agora que vai entrar no autocarro impõe-se que falemos de um outro tema fundamental:
Os acessórios
Os acessórios são as ferramentas essenciais para desfrutar da sua utilização dos autocarros. Se este tema lhe for desconhecido, saiba que com os acessórios certos vai poder descobrir toda uma nova experiência nas viagens de autocarro.

1. Os sacos.
Essenciais. Um must have, um clássico. Nunca são demais, quantos mais melhor. Se procura algo novo, aposte em complementar com um carrinho, cheio e bem pesado. Para um efeito mais eficaz, encha os sacos com:
a) laranja e maçãs – não se esqueça de que os sacos devem estar aberto;
b) frascos e garrafas de vidro – de preferência todos no mesmo saco;
c) frango acabadinho de sair da churrasqueira – certifique-se de que o deixa junto de quem está há mais tempo na paragem, à espera.
(Se não tiver nada com os encher, arranque pedras da calçada ou roube areia das obras)
Nesta quadra natalícia não deixe de aproveitar para juntar à carga dos sacos, alguns embrulhos muito grandes e com aspecto frágil (ex.: tilintam quando lhes toca).
ATENÇÃO: não deve ser capaz de transportar os sacos e os embrulhos sozinha/o.
2. A bengala/muleta
Preferência pelas muletas. Aproveite. Apoie-se nelas como se fossem as suas pernas.
3. A mala.
A mala, à semelhança dos sacos deve ser muito pesada. À semelhança dos embrulhos deve ser bem grande e tilintar ameaçadoramente sempre que se mexer. Se estiver disposta a algo mais arrojado, traga o frango dentro da mala.
4. O neto.
Escolha o seu neto na idade mais difícil, o mais barulhento, mimado e mal-educado. Se tiver dois nessas condições e não se conseguir decidir, não hesite: leve os dois.

A entrada no autocarro
Como está há mais de uma hora na paragem reclame o direito de ser o/a primeiro/a a entrar no autocarro (mesmo que só estejam mais duas pessoas na paragem e o autocarro venha vazio). Nesta fase do processo, entram os acessórios:
1. Os sacos. Tente levar todos os sacos e o carrinho sozinho/a. Faça a fruta e o vidro oscilarem perigosamente para fora do saco (se tiver algum estômago, deixe alguma fruta cair). Algumas das pessoas que estão atrás de si oferecer-se-ão para o/a ajudar. A pessoa que o/a ajudar vai entrar no autocarro para arrumar os seus sacos e embrulhos e vai aproveitar para ficar (logo, passou-lhe à frente). Não faça muitas ondas e agradeça-lhe. Se mais alguém tentar a gracinha, faça muito má cara.
2. A bengala/muletas. Apoie-se, apoie-se nelas. Certifique-se de que as suas pernas tremem como palhinhas a sustentar a Capela Sistina. Tente subir o primeiro degrau do autocarro. Não suba. Alguém de dentro vai oferecer-se para lhe segurar a bengala/muletas. Fique simplesmente parado/a agarrado às portas com um ar de esforço tremendo, como se a sua vida dependesse de subir aquele degrau. Pragueje. Ao fim de alguns segundos passe os tremores das pernas para os braços, com as mãos bem enclavinhadas nas portas (não se esqueça que deve ocupar todo o espaço de passagem). Eventualmente quem se ofereceu para lhe carregar os sacos e segurar a bengala/muleta, vai ajudá-lo/a a subir.
Nota: os pesos pesados têm vantagem natural e a bengala/muletas torna-se opcional. Disfrutem.

A compra dos bilhetes
1. Não se esqueça de continuar a ocupar a passagem, mantendo todos os outros passageiros à espera. Isto é muito importante, especialmente se estiver a chover e/ou temperaturas negativas.
2. Compre bilhete – SEMPRE. Nunca utilize o passe.
(Se não tiver opção e utilizar, não se esqueça que o deve ter protegido numa capa, dentro da carteira, dentro da grande e povoada mala, para as senhoras. Para os senhores, dentro de uma capa, dentro da carteira, dentro do grande e povoado bolso. Quando tirar a carteira deve vir enrolada num lenço com bastante uso – recente. Tire tudo de dentro do bolso/mala antes de conseguir encontrar a carteira. E não se esqueça que esta operação só deve ser feita já DENTRO do autocarro).
3. O mesmo vale para comprar os bilhetes. Mesmo que já tenha feito a viagem mil vezes, nunca saiba o preço do bilhete. Tenha o porta-moedas dentro de uma bolsa, dentro da mala, para as senhoras. Para os senhores, tenha as moedas soltas dentro do bolso. Não se esqueça que quando as tirar, o lenço deve vir colado àquela que vai entregar ao motorista.
4. Escolha as moedas uma a uma. Confunda-se e misture escudos com euros (nas contas e nas moedas). Engane-se duas vezes e obrigue o motorista a escolher as moedas.
5. Sente-se, mas esqueça-se de trazer o bilhete. Obrigue os outros passageiros a recuarem enquanto volta para trás para ir buscar o bilhete.
ATENÇÃO: Não se esqueça que deve pedir o bilhete para um nº específico de uma rua específica, para uma casa específica de uma família específica, para um espaço comercial específico do qual só conhece o nome do dono ou para um sítio com um nome popular caído em desuso há quarenta anos (ex.: Travessa 25 de Abril – Poço da Galega Vesga).

A viagem
* Não se esqueça que deve ocupar dois lugares, seja com os netos, seja com os sacos e embrulhos e carrinho. Se não tiver carga suficiente para ocupar dois lugares, certifique-se de que se senta do lado:
a) de dentro, se for sair numa das primeiras paragens, obrigando quem está ao seu lado a ter de se levantar para sair, isto depois de já ter levado com os sacos e a mala no nariz quando se levantou para pedir licença;
b) de fora, se for sair numa das últimas paragens, obrigando quem viaja ao seu lado a comprimir as pernas por causa do espaço ocupado pelos sacos, de tal modo que quando se puser de pé se assemelhar a um gafanhoto. Quando a pessoa que está ao seu lado quiser sair, não se levante (por causa do peso, das artroses, do colesterol, do rabo grande e pesado). Desvie apenas um pouquinho as pernas.
* Converse com toda a gente. Converse muito com o motorista, mesmo que ele não lhe responda. Converse muito alto, de forma que todo o autocarro o/a possa ouvir. Isto é especialmente se for a relatar ao motorista a crónica dos seus problemas intestinais. Não se esqueça que Nossa Sra. De Fátima e José Sócrates devem entrar na história a certo ponto.
* Cumprimente toda a gente que entra. Quando não lhe respondem seja azedo/a e queixe-se destes jovens mal-educados de hoje em dia. Culpe-os do estado do país e do governo que temos.
* Cumprimente toda a gente que sai. Despeça-se com beijinhos e recomendações para a família. Recomendações sobre os cuidados a ter com a flora intestinal recomendam-se.

A saída
* Não toque na campainha. Grite “oh chefe, pare aí na próxima sff”. Mesmo que vá no primeiro lugar, ao lado do motorista.
* Se tocar na campainha, toque várias vezes.
* Toque na paragem errada.
* Toque já em cima da paragem. Se o motorista não parar grite “ooooh! É para parar!”. Resmungue muito.
* Levante-se só quando o autocarro já estiver parado.
* Repita o circo da entrada. Saia de costas e muito devagarinho – tenha os movimentos lentos de um polvo.
* Deixe os sacos no degrau e grite quando o motorista não os vir e fechar as portas. Certifique-se que o frango fica esmagado.
* Deixe-se ficar no degrau e entale um braço. Grite.
* Esqueça-se de um saco no autocarro.
* Vá esperá-lo. Chegue uma hora mais cedo.

Metade escrito de uma assentada na paragem, às escuras.
A outra metade escrita de uma assentada na aula de EDTE. Às claras.
Espero que a desgraça que é para mim ser velho esteja visível...

2 Comments:

  1. Daniel Paiva said...
    tens que rever o uso do teu tempo livre
    Anónimo said...
    Não sabes fazer nada de util da vida em vez de escreveres um texto tão longo para dizer coisas sem piada rigorosamente nenhuma, e que não interessam nem ao "menino jesus"

    Cuida-te!!

    For god's sake!!

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