sábado, 12 de maio de 2007

Surgiu um novo fantasma no campo espectral


Chama-se “os da ASAE”.

Concordo com a sua actuação em grandes indústrias. Não consigo concordar com a sua actuação “exagerada, obsessiva e para as câmaras da TVI” em pequenos negócios.

Um pequeno desabafo, estereotipado e pouco razoável, mas ao qual não resisto.

Os senhores da ASAE e os burocratas de Bruxelas querem transformar as cozinhas europeias em laboratórios. Ta-dah!
É que o cozinhar de protecções nas mãos, protecções nos pés, protecções na cabeça, protecções nos braços…OK, o cozinhar forrado de plástico e latéx faz-me espécie. Chamem-me antiquada – para mim um avental é uma farda de trabalho, basta-me.
OK,OK. Também eu não gosto de cabelos a boiar na sopa.
Querem saber uma coisa gira? Nunca ouvi um caso de alguém que tenha morrido depois de ingerir um cabelo.
“Ah, mas isso é resultado da fiscalização cuidada da ASAE.” Não, não. Quando eu disse nunca, referia-me a toda uma História humana – a menos que, claro (e oh meu Deus!), a ASAE sempre tenha existido (“e ao terceiro dia Deus criou a ASAE”? Perdi essa parte. Não deixaria no entanto de explicar porque é que Deus ao sétimo dia teve de parar).
“Ah, mas antigamente as taxas de mortalidade eram bem mais elevadas, mesmo em civilizações tão organizadas e avançadas como a Romana.” Pois, mas os romanos comiam vísceras de pássaros e tinham canalizações de chumbo.
Os senhores da ASAE, claramente, nunca se sentaram numa tasca (julgo que tal seria o equivalente a um PSP residindo na Baixa da Banheira ou assim).
Se os senhores da ASAE já se tivessem sentado numa tasca a degustar um prato de caracóis, sabiam que caracóis não são caracóis sem esse tempero essencial que é as mãos do dono da tasca. E olhem que eu nem gosto de caracóis.
Os senhores da ASAE sabem, como eu, que a Europa tem a melhor segurança alimentar do mundo.
Os senhores da ASAE sabem, como eu, que aos europeus isso não basta. Manientos. Mas os europeus do Mediterrâneo não são desses.
Os senhores da ASAE desconhecem uma cozinha (e não, não corram já para as fitas seladoras e os blocos de notas). A cozinha mediterrânica. O segredo da cozinha mediterrânica, insisto, está no tempero das mãos. Por isso está cada vez mais perdida (e tão saudável que era - a mais saudável, dizem alguns). Deixou saudades.
Os senhores da ASAE eram aqueles putos gordos que nos intervalos enfardavam-se de bolos e que depois justificavam as dores de estômago com “o creme devia estar estragado”.
Os senhores da ASAE se calhar nunca viram o que já vi. Prateleiras de bolos, em bares de escolas, com carreirinhos de formigas a abastecerem de “cremes e massas em más condições de higiene em segurança” a despensa para o Inverno. Nunca vi uma formiga com uma intoxicação alimentar, mas aí, admito, já estaria a entrar no domínio da parvoíce. Ainda assim, gostaria de destacar que as formigas não se queixam e até repetem a dose.
Voltando à situação deste bar, reparem que isto não foi à vinte anos, antes do Mário Soares assinar o Tratado de Adesão, nesses tempos longínquos em que éramos uns rudes porcos e brutos. Não. Nada disso. Foi há dois anos e não vi nenhum agente da ASAE a suspender aquele bar onde um grupo de risco (e em abono da verdade, diga-se, pouco esquisito, marcha tudo) – os adolescentes – se abastecia diariamente, mais do que uma vez por dia.
Compreendo. Nenhum de nós, enquanto utentes lesados do bar, denunciou a situação, senão os senhores da ASAE imediatamente apareceriam, isolariam o local e, depois de selado, obrigariam a desinfecção dezassete vezes, sendo a última a fazer o pino (regras são regras e são para se cumprir). Não, nós não denunciamos. Fizemos o que nos pareceu mais adequado: simplesmente deixamos de ir ao bar. No ano seguinte tínhamos um bar novo e limpinho.
Os senhores da ASAE não deviam crescer.
Os senhores da ASAE devem ter o trabalho mais satisfatório do mundo. Encontram sempre qualquer coisa. Menos formigas expostas em vitrinas.
Os senhores da ASAE têm o trabalho deles, como toda a gente tem o seu. Só é pena que tenha mais importância investir no trabalho deles do que em centros de saúde que fecham, centros de saúde e hospitais que nem existem, em ambulâncias que faltam (e não, não estou a falar de Angola ou do Chade, estou a falar de um estado-membro da União Europeia, para mais de vinte anos), em tribunais e em justiça que não trabalham, em luta contra a corrupção, lavagens de dinheiro, roubos de dinheiros públicos (não, não é a Colômbia, é Portugal, meus senhores, um dos maiores impérios do mundo, há coisa de uns séculos atrás), em políticas de natalidade, de fixação de população no interior, na cultura, na deslitoralização dos serviços e da indústria, na educação a sério (porque esta que cria inspectores da ASAE, parlamentares e empresários como alguns – muitos! – que por aí andam a chafurdar no título, é uma educação de faz-de-conta – acreditem, por mim testada).
Enfim (e esta é aquela parte em que extrapolo uma embirração – os senhores da ASAE – para o estado suicida do país), posso ter as prioridades trocadas, mas parece-me que não sou a única.
Sem nada com que contar senão estrelas, boa vontade dos ventos e sorte achamos a Madeira (maldita a hora…mas isso é uma outra conversa), os Açores, o Brasil, a África Subsariana, Timor, o Japão, a rota para a Índia, e isto tudo sem parar pelo caminho para pedir indicações. Hoje todos julgam saber qual é o caminho, todos apontam um caminho e, no meio desta bagunça, uma coisa vos garanto, não o vão achar. Eu queixo-me do que se queixava o Eça e o Gil Vicente e, por incrível que seja, parece que ainda não entenderam.
Senhores da ASAE façam-me um favor. Larguem os desinfectantes que eu gosto da minha comida com sabor. Larguem isso tudo, agarrem numa pá e num balde de massa e comecem a contribuir a sério para o desenvolvimento do país. Com vocês não vamos lá. Sem vocês, também não.

E agora, com licença, são cinco da manhã e amanhã (hoje!) é dia de aulas


[Ok, ok. Eu explico isto. Eram quatro da manha, tinha sido acordada as tres por causa de agentes da ASAE e fiz birrinha]

2 Comments:

  1. Anónimo said...
    tu és maluca
    Unknown said...
    Eu, eu, eu ... nem sei o que dizer. Acho que o nosso "engenheiro" (perdão, perdão, não queria ofender a sua mãe), como eu dizia, aquele que se aproveitou do cargo de secretário de estado para receber um diploma,ao domingo, deveria ser obrigado a ler este texto, cem mil milhões de biliões de vezes, até ficar completamente elucidado sobre o que o "desgoverno" dele anda a fazer à nossa economia. Parabéns pelo texto. Tá fabuloso.

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