quinta-feira, 10 de abril de 2008

Descobre o erro

No autocarro, senta-se um senhor ao meu lado.

Camisa à risquinha, casaco e calça castanha, visual professor de História, 50 e quase sessenta anos, barba e cabelo branco disfarçado de grisalho.
Dignidade da ponta do cabelo à ponta do sapato.
Pasta de couro cabedal pele, claramente de qualidade.
Tira o estojo dos óculos do bolso do casaco e tira-os do estojo. Um estojo daqueles que fazem eco quando se fecham.
Põe a pasta sobre os joelhos, abre e tira qualquer coisa.
Impressionada com aquela dignidade, arremelgo o olho para o que o senhor tirou da pasta (na verdade os olhos porque, felizmente, ainda nenhum se lembrou de reinvidicar autonomia, estando por enquanto condenados a virar-se em direcções idênticas). Arremelgo o olho para o lado à espera de ver o Financial Times ou o Le Monde Diplomatique para papar uns títulos. Eu sei que é feio e detesto que mo façam, mas no autocarro, à falta de melhor, sempre entretém ir espreitando por cima deste ou daquele ombro.
É um livro.
Só consigo ver a ponta da capa e voo logo:
"Ena pah, a biografia do Churchill. Porreiro pah. Chique a valer, sim senhor."
A mão do senhor desvia-se, naquele segundo entre equilibrar o livro e abri-lo:
"Não...o Churchill não era louro nem usava colares de pérolas...tu queres ver..."

Enfim...serve o presente para expressar a minha surpresa parida do meu total desconhecimento quanto à possibilidade de indíviduos com aquela dignidade e óculos de armação fina dourada devorarem à velocidade a que pude comprovar a biografia da princesa Diana pela Tina Brown. Tudo bem. Por mim, tudo bem. O senhor era mesmo digno. Pah.
Nem pestanejou quando saiu e lhe fiz um aceno de cabeça royal de fazer pudins verdes, com os dentes, os lábios e tudo o que houvesse projectados para fora num imperial balão de pastilha elástica que acabou por rebentar com o aceno deixando um bonito efeito de union jack em degradé do meu nariz ao meu queixo.




Solução: fácil. "Chique a valer" é uma daquelas coisas que não me passa pela cabeça por dá cá aquela palha. Oh...afinal são dois erros.

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