quinta-feira, 5 de junho de 2008

Basta-me uma noite de insónia

Para isto...

[aviso: escrito algures entre as cinco da manhã e as oito, depois de pesadelos com bonecas bruxas de contos de fadas russos que perdia horas a ler quando era pequena, mau dormir com aquele habitual acordar de dez em dez minutos e ter perdido episódios da nova série de csi las vegas. Pode conter vestígios de algum mau-humor]

Estava a constatar.
As pessoas mais miseráveis do mundo são aquelas que vivem a preto e branco nas televendas.
Essas pessoas estão sempre cheias de nódoas difíceis e a entornar vinho (ou água do garrafão) na roupa.
Essas pessoas levam sempre o dobro ou o triplo do tempo a fazer seja o que for: quatro vezes o tempo "realmente necessário" para limparem o chão, prepararem uma omelete ou fazer um gelado de framboesas congeladas.
Estão sempre a cortarem-se. Ou então não são capazes de cortar um mísero pão. É inevitável no dia-a-dia destas pessoas esmagarem tomates (e estou a ir nos dois sentidos - literal e figurado).
Não têm uma alimentação saudável e são obesas, só gordas e cheias de rugas e manchas na pele. Isto é gente que não tem corpo para um fato de banho dos anos 90.
Como se não bastasse viverem a preto e branco, estes desgraçados têm sempre a casa suja e desarrumada. São desastrados natos. A vida desta gente é passada a espalhar molho de tomate em sofás de algodão branco e café nas carpetes novas, a cortar dedos a picar cebolas e a riscar, mais do que o carro, a pintura do carro com as chaves. São tão desgraçados que, muitas das vezes, a pintura do carro é arruinada por um carrinho de supermercado tresloucado e vazio, aos piões no parque de estacionamento.
O cabelo desta gente (quando não são tristes carecas) está sempre embaraçosamente frisado e crespo, monstruosamente grande, a combinar com os tufos de pêlo que lhes crescem no nariz e nas orelhas e que desistiam em lágrimas de arrancar, criando um visual muito hobbitiano. Sempre que tentam alisar este cabelo com ferros, queimam-se violentamente. Isto quando não tentam cremes que deixam o cabelo com um ar de ninho de cegonha seboso. E não é só com o cabelo. A depilação ou a utilização de cremes anti-rugas é sempre um desastre que culmina inevitavelmente em queimaduras e alergias. Ainda que alergias não sejam exactamente novidade para estas pessoas que têm a casa cheia de ácaros (que vão acumulando no matagal do nariz).
Andam sempre num stress e mal-estar constante. Têm maus colchões - e os amigos também. Em casa de amigos acabam sempre a dormir no chão em sacos cama de plástico ou em sofás-cama desconfortáveis com ar de terem sido produzidos na Alemanha nazi. Lá em casa, para os amigos, têm um colchão insuflável, mas o amigos também fazem parte do mundo dos desgraçados - os lençóis de cetim atiram-nos violentamente e com espalhafato ao chão.
Nas fotografias, estes coitados têm sempre um ar triste e sério, de ombros descaídos e enorme barriga para a frente. Não sei se é por serem gordos e feios. Talvez seja por terem os armários lá de casa cheios de panelas e frigideiras que lhes caem com estrépito na cabeça quando os abrem.Cheios de facas e acessórios inúteis que entalam as gavetas. Cheios de vassouras, esfregonas e produtos de limpeza que engolem estes desgraçados quando, aborrecidos, abrem a porta.
Estes miseráveis não fogem ao flagelo do terrível pneu. Têm montes de produtos e comprimidos nos armários lá de casa (os quais, não esquecer, se atiram para cima deles assim que abrem a porta) que visivelmente não resultam. Têm complicads máquinas de abdominais, passadeiras e bicicletas que não dobram e não se arrumam debaixo da cama ou em cima do armário, naquela prateleira larga e fininha. São máquinas grandes, ineficazes e de difícil arrumação e utilização (tenho mesmo de contar o que acontece quando as vão buscar à prateleira de cima do antiquado guarda-fatos?)
A casa destas pessoas, para além de nódoas de molho de tomate, café e chocolate em todas as superfícies, está coberta por uma espessa e impossível de limpar camada de pó branco, Talvez por isso os filhos (e os cães, que enchem tudo de pêlo) passem a vida a virar gelados no vestido de 1ª comunhão e a correr com facas na mão.
Estes desgraçados têm ainda um outro factor a contribuir para a desgraça: suponho que por condição genética, sofrem todos e toda a vida de dores nas costas. A fazer abdominais nas máquinas de tortura medieval, a varrer e limpar o chão com os mecanismos de limpeza medievais, a fazer as camas cuspideiras, a cortar o pão-que-não-pode-ser-cortado. Duvido que isto se explique pelo mau sistema imunitário destas pessoas - não comem a dose diária recomendada de frutas e vegetais. Sempre que tentam fazer um saudável sumo ou batido, com o esforço de empurrar enormes pedaços de fruta tubinho da liquidificadora abaixo, esquecem-se de encaixar a tampa na máquina, refrescando afinal os azulejos da cozinha. Assim como assim, a cozinha desta gente já tem ar de pocilga com o fogão coberto por dois dedos de óleo e gordura, os mesmos que formam uma camada opaca escondendo os azulejos e as juntas destes. Não esquecendo, é claro, a monstruosa pilha de louça com gordura incrustada que está de senha na mão à espera no pequeno lava-louça. Não é só a cozinha destas pessoas que tem um ar séc. XIII (e não, não vou voltar a falar das nódoas dificeis de limpar). Os vidros da casa e do carro foram artificialmente fumados: com maus produtos de limpeza, maus utensílios e más dores de costas. Quantas e quantas vezes estas pessoas arrastaram ao longo do parquet uma cara e complicada máquina de limpeza, deixando um fundo sulco na madeira, preparando para a plantação de trigo ou batata o chão da sala?
Não. Não bastava tudo isto. Não bastava a sujidade, o desastre, a flagelação. Sabem o que é pior na vida destas pessoas?
É, no meio do preto e branco, sempre que algo corre mal levam inevitavelmente com um grande X vermelho de negação em cima.
Sabem o que é pior na minha vida?
É tão igual à deles...

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